MARIA MULAMBO
Foi no início do século XIX, pelos anos de 1818, época em que o Brasil caminhava para sua independência de Portugal e que, mesmo oficialmente elevado à “Categoria de Reino Unido”, mantinha no estilo de vida os costumes de colônia submissa, explorada, oprimida. Foi nesse tempo que nasceu em Alagoas, a filha dos Manhães, respeitada família de fazendeiros que viviam de criar gado na região próxima ao então vilarejo de Penedo.
Maria Rosa da Conceição – esse era seu nome – cresceu criada sob os arraigados moldes educacionais da ocasião. Quando moça feita o Brasil já se dizia independente: ela não era. Tinha nas mãos do pai o seu destino selado, como acontecia a tantos outros milhares de moças. Vigência comum eram os pactos de casamento, não entre os namorados, mas entre os que viam, nesse expediente, a forma de unir família, as consideradas poderosas e tradicionais, visando tão somente a interesses comerciais, territoriais e até políticos. Maria Rosa da Conceição não fugiria a esse destino quando, aos 19 anos de idade, foi prometida aos Cardins, na pessoa de Vicente, o filho.
Comum também parecia “o outro lado” dessa história. Maria Rosa, claro, não amava Vicente. Era Luciano, capataz da fazenda dos Manhães, o dono de seu coração, um viúvo, sem filhos, com quase o dobro de idade da moça. Empregado dedicado, servi a família mesmo em dias difíceis como os das secas que assolavam periodicamente o Nordeste. Luciano era homem de caráter inquestionável, dote que certamente não seria considerado pelo coronel Manhães, caso o capataz propusesse, oficialmente, casar com a filha do fazendeiro. Mas Luciano e Maria Rosa, fora do tempo e do espaço, estava perdidamente apaixonados.
Vivendo um romance clandestino, porém verdadeiro, viam aproximar – se o funesto dia do combinado casamento de Rosa com Vicente. O noivado de seis meses já se tinha expirado. A cada dia que passava menor eram as esperanças de solução. Em junho do ano de 1837, três meses antes da data marcada para a cerimônia nupcial, Maria Rosa e Luciano apelaram para única saída que lhes parecia possível – a fuga – e fugiram para as bandas de Pernambuco.
Essa foi a saída possível, mas não, honrosa, não para as famílias ofendidas nem para os costumes do povo. O escândalo ganhou fazendas, roçados, estradas e os sertões, desbravados pelos dois irmãos de Maria Rosa na tentativa de reavê – la e castigar um empregado que para eles se mostrara, agora, indigno de confiança, alem de detestável sedutor. Também para os Cardins a humilhação era sem precedentes! Todos eles exigiam reparação da honra da família, ultrajada por um homem considerado sem linhagem e de origem duvidosa. Afinal, que riquezas ou poderes tinha ele? De que família provinha? Talvez fosse um mestiço ou sabe –se lá mais o quê! Como se atrevera a tanto? Merecia castigo à altura de sei desvario. Quando a Maria Rosa, julgavam os Cardins que ela não havia recebido dos pais a devida educação, tanto que agira de maneira tão afrontosa quanto imoral. Vai daí que as duas famílias cortaram relações, unido – se apenas no firme propósito de encontrar e punir Luciano.
Durante três anos e seis meses, deu – se perseguição implacável e sem tréguas ao casal que, longe de fúria e do desejo de vingança dos seus e já com uma filha, encontrara nas terras do Coronel Aurino de Moura o seu recanto de felicidade – e onde, com a mesma dedicação, peculiar a seu caráter, Luciano também trabalhava como capataz.
Numa tarde quente de dezembro de 1840, quando despreocupado tratava no curral da fazenda, de um animal ferido, um bando cercou o local. Eram dois líderes brancos, negros, escravos, farejadores e capangas de aluguel. Sem qualquer explicação, mataram o animal a tiros e Luciano a facadas. Maria Rosa que, em casa, cuidava da filha, foi levada desacordada de volta a cidade de Penedo.
Voltar para casa em tais circunstâncias significava, naturalmente, enfrentar (quem sabe?) o ódio, mas, com certeza, a humilhação. E apenas para isso Maria Rosa fora trazida. Após cuspir–lhe no rosto, o pai expulsou–a, orgulho ferido e ouvidos fechados aos apelos dos dois filhos e da esposa, mãe sofrendo a reconhecer que a filha merecia castigo, mas, não, a renegarão. Rogos Vãos.
Ver–se entregue à própria sorte não a assustava. Mas sua filha pequena não pedira nem merecia o abandono e o repúdio familiar. E assim Maria Rosa julgou que recorrer ao abrigo de parentes poderia amenizar o sofrimento da menina. Com ela voltou a Pernambuco e, na cidade de Olinda, apelou para seus tios que, nem por isso, a trataram como sobrinha. Pelo contrário, sua condição de dependente e desvalida fez de Maria Rosa uma serviçal da família, a suportar, pelo bem da filha, novas humilhações.
Quem dera, porém, que tal martírio nisso apenas se resumisse!... Meses após ter chagado a Olinda, a vida de Maria Rosa tomaria novo curso ao ver seu filhinha morrer de varíola.
E Maria Rosa fugiu outra vez. Agora, sozinha. Seu amor, sequer estima ou consolo. Perdera tudo o que de mais importante e valioso tivera, prova carnal e espiritual do único amor de sua vida. Partiu para o caminho que, também desta vez, lhe parecia a única e desesperada solução possível: a prostituição.
Assim foi tocando seus dias de amargura no falso esplendor da noite boêmia. Sem demora, sua saúde foi sendo minada pela tuberculose e pelas doenças venéreas. Esquálida e tísica, mais uma vez passou a ser repudiava até pelas colegas da profissão chamada de “vida fácil”. Passou, então, a pedir esmolas pelas ruas. Nas suas andanças de extrema penúria, ficou dois anos em Recife, seguindo depois de cidade em cidade até chegar, de volta, à terra natal.
Quem peregrinava, então, pelas ruas de Penedo não era a bela jovem de outrora, mas uma mulher magra, precocemente envelhecida, abatida, marcada, dilacerada pelo sofrimento do corpo e da alma. Irreconhecível, foi logo “batizada” pelo escárnio popular como MARIA MOLAMBO. Encontram–na assim os dois irmãos, levaram–na para a fazenda distante algumas léguas da cidade e lhe deram a notícia da morte dos pais e da sua inclusão na herança dos Manhães, graças à intervenção da mãe, a última a falecer.
Maria Rosa recebeu dos irmãos, bem se diga, toda a assistência de que necessitava em razão da sua doença. Conseguiu, por isso, recuperar parte da saúde e dar início a uma nova vida, agora dedicada à comunidade, ajudando os carentes (que não eram poucos) abandonados e desabrigados, crianças, mulheres e anciãos. Sua parte na herança ela destinou a esse trabalho anônimo e a um asilo já existente em Maceió, onde passou servindo todo o seu tempo de vigília.
Foi no ano de 1857 que Maria Rosa da Conceição faleceu. Recebida no plano astral por muitos conhecidos e parentes, àqueles a quem havia beneficiado em sua vida terrena continuou a ser, agora carinhosamente, chamada de Maria Molambo.
No ano de 1900, conheceu outra mulher de grande prestígio, Maria Padilha, cujo propósito principal era a luta pela igualdade dos sexos, inspirando decisivamente as líderes feministas do plano físico. Por influência dela, aceitou convite para integrar um novo movimento religioso ainda em organização no plano astral – denominado Umbanda – Passando a liderar milhares de criaturas. Constituiu, assim, a falange de Maria Molambo, trazendo inúmeros benefícios a encarnados e desencarnados da terra brasileira.
MARIA MULAMBO
Foi no início do século XIX, pelos anos de 1818, época em que o Brasil caminhava para sua independência de Portugal e que, mesmo oficialmente elevado à “Categoria de Reino Unido”, mantinha no estilo de vida os costumes de colônia submissa, explorada, oprimida. Foi nesse tempo que nasceu em Alagoas, a filha dos Manhães, respeitada família de fazendeiros que viviam de criar gado na região próxima ao então vilarejo de Penedo.
Maria Rosa da Conceição – esse era seu nome – cresceu criada sob os arraigados moldes educacionais da ocasião. Quando moça feita o Brasil já se dizia independente: ela não era. Tinha nas mãos do pai o seu destino selado, como acontecia a tantos outros milhares de moças. Vigência comum eram os pactos de casamento, não entre os namorados, mas entre os que viam, nesse expediente, a forma de unir família, as consideradas poderosas e tradicionais, visando tão somente a interesses comerciais, territoriais e até políticos. Maria Rosa da Conceição não fugiria a esse destino quando, aos 19 anos de idade, foi prometida aos Cardins, na pessoa de Vicente, o filho.
Comum também parecia “o outro lado” dessa história. Maria Rosa, claro, não amava Vicente. Era Luciano, capataz da fazenda dos Manhães, o dono de seu coração, um viúvo, sem filhos, com quase o dobro de idade da moça. Empregado dedicado, servi a família mesmo em dias difíceis como os das secas que assolavam periodicamente o Nordeste. Luciano era homem de caráter inquestionável, dote que certamente não seria considerado pelo coronel Manhães, caso o capataz propusesse, oficialmente, casar com a filha do fazendeiro. Mas Luciano e Maria Rosa, fora do tempo e do espaço, estava perdidamente apaixonados.
Vivendo um romance clandestino, porém verdadeiro, viam aproximar – se o funesto dia do combinado casamento de Rosa com Vicente. O noivado de seis meses já se tinha expirado. A cada dia que passava menor eram as esperanças de solução. Em junho do ano de 1837, três meses antes da data marcada para a cerimônia nupcial, Maria Rosa e Luciano apelaram para única saída que lhes parecia possível – a fuga – e fugiram para as bandas de Pernambuco.
Essa foi a saída possível, mas não, honrosa, não para as famílias ofendidas nem para os costumes do povo. O escândalo ganhou fazendas, roçados, estradas e os sertões, desbravados pelos dois irmãos de Maria Rosa na tentativa de reavê – la e castigar um empregado que para eles se mostrara, agora, indigno de confiança, alem de detestável sedutor. Também para os Cardins a humilhação era sem precedentes! Todos eles exigiam reparação da honra da família, ultrajada por um homem considerado sem linhagem e de origem duvidosa. Afinal, que riquezas ou poderes tinha ele? De que família provinha? Talvez fosse um mestiço ou sabe –se lá mais o quê! Como se atrevera a tanto? Merecia castigo à altura de sei desvario. Quando a Maria Rosa, julgavam os Cardins que ela não havia recebido dos pais a devida educação, tanto que agira de maneira tão afrontosa quanto imoral. Vai daí que as duas famílias cortaram relações, unido – se apenas no firme propósito de encontrar e punir Luciano.
Durante três anos e seis meses, deu – se perseguição implacável e sem tréguas ao casal que, longe de fúria e do desejo de vingança dos seus e já com uma filha, encontrara nas terras do Coronel Aurino de Moura o seu recanto de felicidade – e onde, com a mesma dedicação, peculiar a seu caráter, Luciano também trabalhava como capataz.
Numa tarde quente de dezembro de 1840, quando despreocupado tratava no curral da fazenda, de um animal ferido, um bando cercou o local. Eram dois líderes brancos, negros, escravos, farejadores e capangas de aluguel. Sem qualquer explicação, mataram o animal a tiros e Luciano a facadas. Maria Rosa que, em casa, cuidava da filha, foi levada desacordada de volta a cidade de Penedo.
Voltar para casa em tais circunstâncias significava, naturalmente, enfrentar (quem sabe?) o ódio, mas, com certeza, a humilhação. E apenas para isso Maria Rosa fora trazida. Após cuspir–lhe no rosto, o pai expulsou–a, orgulho ferido e ouvidos fechados aos apelos dos dois filhos e da esposa, mãe sofrendo a reconhecer que a filha merecia castigo, mas, não, a renegarão. Rogos Vãos.
Ver–se entregue à própria sorte não a assustava. Mas sua filha pequena não pedira nem merecia o abandono e o repúdio familiar. E assim Maria Rosa julgou que recorrer ao abrigo de parentes poderia amenizar o sofrimento da menina. Com ela voltou a Pernambuco e, na cidade de Olinda, apelou para seus tios que, nem por isso, a trataram como sobrinha. Pelo contrário, sua condição de dependente e desvalida fez de Maria Rosa uma serviçal da família, a suportar, pelo bem da filha, novas humilhações.
Quem dera, porém, que tal martírio nisso apenas se resumisse!... Meses após ter chagado a Olinda, a vida de Maria Rosa tomaria novo curso ao ver seu filhinha morrer de varíola.
E Maria Rosa fugiu outra vez. Agora, sozinha. Seu amor, sequer estima ou consolo. Perdera tudo o que de mais importante e valioso tivera, prova carnal e espiritual do único amor de sua vida. Partiu para o caminho que, também desta vez, lhe parecia a única e desesperada solução possível: a prostituição.
Assim foi tocando seus dias de amargura no falso esplendor da noite boêmia. Sem demora, sua saúde foi sendo minada pela tuberculose e pelas doenças venéreas. Esquálida e tísica, mais uma vez passou a ser repudiava até pelas colegas da profissão chamada de “vida fácil”. Passou, então, a pedir esmolas pelas ruas. Nas suas andanças de extrema penúria, ficou dois anos em Recife, seguindo depois de cidade em cidade até chegar, de volta, à terra natal.
Quem peregrinava, então, pelas ruas de Penedo não era a bela jovem de outrora, mas uma mulher magra, precocemente envelhecida, abatida, marcada, dilacerada pelo sofrimento do corpo e da alma. Irreconhecível, foi logo “batizada” pelo escárnio popular como MARIA MOLAMBO. Encontram–na assim os dois irmãos, levaram–na para a fazenda distante algumas léguas da cidade e lhe deram a notícia da morte dos pais e da sua inclusão na herança dos Manhães, graças à intervenção da mãe, a última a falecer.
Maria Rosa recebeu dos irmãos, bem se diga, toda a assistência de que necessitava em razão da sua doença. Conseguiu, por isso, recuperar parte da saúde e dar início a uma nova vida, agora dedicada à comunidade, ajudando os carentes (que não eram poucos) abandonados e desabrigados, crianças, mulheres e anciãos. Sua parte na herança ela destinou a esse trabalho anônimo e a um asilo já existente em Maceió, onde passou servindo todo o seu tempo de vigília.
Foi no ano de 1857 que Maria Rosa da Conceição faleceu. Recebida no plano astral por muitos conhecidos e parentes, àqueles a quem havia beneficiado em sua vida terrena continuou a ser, agora carinhosamente, chamada de Maria Molambo.
No ano de 1900, conheceu outra mulher de grande prestígio, Maria Padilha, cujo propósito principal era a luta pela igualdade dos sexos, inspirando decisivamente as líderes feministas do plano físico. Por influência dela, aceitou convite para integrar um novo movimento religioso ainda em organização no plano astral – denominado Umbanda – Passando a liderar milhares de criaturas. Constituiu, assim, a falange de Maria Molambo, trazendo inúmeros benefícios a encarnados e desencarnados da terra brasileira.
MARIA MULAMBO
Foi no início do século XIX, pelos anos de 1818, época em que o Brasil caminhava para sua independência de Portugal e que, mesmo oficialmente elevado à “Categoria de Reino Unido”, mantinha no estilo de vida os costumes de colônia submissa, explorada, oprimida. Foi nesse tempo que nasceu em Alagoas, a filha dos Manhães, respeitada família de fazendeiros que viviam de criar gado na região próxima ao então vilarejo de Penedo.
Maria Rosa da Conceição – esse era seu nome – cresceu criada sob os arraigados moldes educacionais da ocasião. Quando moça feita o Brasil já se dizia independente: ela não era. Tinha nas mãos do pai o seu destino selado, como acontecia a tantos outros milhares de moças. Vigência comum eram os pactos de casamento, não entre os namorados, mas entre os que viam, nesse expediente, a forma de unir família, as consideradas poderosas e tradicionais, visando tão somente a interesses comerciais, territoriais e até políticos. Maria Rosa da Conceição não fugiria a esse destino quando, aos 19 anos de idade, foi prometida aos Cardins, na pessoa de Vicente, o filho.
Comum também parecia “o outro lado” dessa história. Maria Rosa, claro, não amava Vicente. Era Luciano, capataz da fazenda dos Manhães, o dono de seu coração, um viúvo, sem filhos, com quase o dobro de idade da moça. Empregado dedicado, servi a família mesmo em dias difíceis como os das secas que assolavam periodicamente o Nordeste. Luciano era homem de caráter inquestionável, dote que certamente não seria considerado pelo coronel Manhães, caso o capataz propusesse, oficialmente, casar com a filha do fazendeiro. Mas Luciano e Maria Rosa, fora do tempo e do espaço, estava perdidamente apaixonados.
Vivendo um romance clandestino, porém verdadeiro, viam aproximar – se o funesto dia do combinado casamento de Rosa com Vicente. O noivado de seis meses já se tinha expirado. A cada dia que passava menor eram as esperanças de solução. Em junho do ano de 1837, três meses antes da data marcada para a cerimônia nupcial, Maria Rosa e Luciano apelaram para única saída que lhes parecia possível – a fuga – e fugiram para as bandas de Pernambuco.
Essa foi a saída possível, mas não, honrosa, não para as famílias ofendidas nem para os costumes do povo. O escândalo ganhou fazendas, roçados, estradas e os sertões, desbravados pelos dois irmãos de Maria Rosa na tentativa de reavê – la e castigar um empregado que para eles se mostrara, agora, indigno de confiança, alem de detestável sedutor. Também para os Cardins a humilhação era sem precedentes! Todos eles exigiam reparação da honra da família, ultrajada por um homem considerado sem linhagem e de origem duvidosa. Afinal, que riquezas ou poderes tinha ele? De que família provinha? Talvez fosse um mestiço ou sabe –se lá mais o quê! Como se atrevera a tanto? Merecia castigo à altura de sei desvario. Quando a Maria Rosa, julgavam os Cardins que ela não havia recebido dos pais a devida educação, tanto que agira de maneira tão afrontosa quanto imoral. Vai daí que as duas famílias cortaram relações, unido – se apenas no firme propósito de encontrar e punir Luciano.
Durante três anos e seis meses, deu – se perseguição implacável e sem tréguas ao casal que, longe de fúria e do desejo de vingança dos seus e já com uma filha, encontrara nas terras do Coronel Aurino de Moura o seu recanto de felicidade – e onde, com a mesma dedicação, peculiar a seu caráter, Luciano também trabalhava como capataz.
Numa tarde quente de dezembro de 1840, quando despreocupado tratava no curral da fazenda, de um animal ferido, um bando cercou o local. Eram dois líderes brancos, negros, escravos, farejadores e capangas de aluguel. Sem qualquer explicação, mataram o animal a tiros e Luciano a facadas. Maria Rosa que, em casa, cuidava da filha, foi levada desacordada de volta a cidade de Penedo.
Voltar para casa em tais circunstâncias significava, naturalmente, enfrentar (quem sabe?) o ódio, mas, com certeza, a humilhação. E apenas para isso Maria Rosa fora trazida. Após cuspir–lhe no rosto, o pai expulsou–a, orgulho ferido e ouvidos fechados aos apelos dos dois filhos e da esposa, mãe sofrendo a reconhecer que a filha merecia castigo, mas, não, a renegarão. Rogos Vãos.
Ver–se entregue à própria sorte não a assustava. Mas sua filha pequena não pedira nem merecia o abandono e o repúdio familiar. E assim Maria Rosa julgou que recorrer ao abrigo de parentes poderia amenizar o sofrimento da menina. Com ela voltou a Pernambuco e, na cidade de Olinda, apelou para seus tios que, nem por isso, a trataram como sobrinha. Pelo contrário, sua condição de dependente e desvalida fez de Maria Rosa uma serviçal da família, a suportar, pelo bem da filha, novas humilhações.
Quem dera, porém, que tal martírio nisso apenas se resumisse!... Meses após ter chagado a Olinda, a vida de Maria Rosa tomaria novo curso ao ver seu filhinha morrer de varíola.
E Maria Rosa fugiu outra vez. Agora, sozinha. Seu amor, sequer estima ou consolo. Perdera tudo o que de mais importante e valioso tivera, prova carnal e espiritual do único amor de sua vida. Partiu para o caminho que, também desta vez, lhe parecia a única e desesperada solução possível: a prostituição.
Assim foi tocando seus dias de amargura no falso esplendor da noite boêmia. Sem demora, sua saúde foi sendo minada pela tuberculose e pelas doenças venéreas. Esquálida e tísica, mais uma vez passou a ser repudiava até pelas colegas da profissão chamada de “vida fácil”. Passou, então, a pedir esmolas pelas ruas. Nas suas andanças de extrema penúria, ficou dois anos em Recife, seguindo depois de cidade em cidade até chegar, de volta, à terra natal.
Quem peregrinava, então, pelas ruas de Penedo não era a bela jovem de outrora, mas uma mulher magra, precocemente envelhecida, abatida, marcada, dilacerada pelo sofrimento do corpo e da alma. Irreconhecível, foi logo “batizada” pelo escárnio popular como MARIA MOLAMBO. Encontram–na assim os dois irmãos, levaram–na para a fazenda distante algumas léguas da cidade e lhe deram a notícia da morte dos pais e da sua inclusão na herança dos Manhães, graças à intervenção da mãe, a última a falecer.
Maria Rosa recebeu dos irmãos, bem se diga, toda a assistência de que necessitava em razão da sua doença. Conseguiu, por isso, recuperar parte da saúde e dar início a uma nova vida, agora dedicada à comunidade, ajudando os carentes (que não eram poucos) abandonados e desabrigados, crianças, mulheres e anciãos. Sua parte na herança ela destinou a esse trabalho anônimo e a um asilo já existente em Maceió, onde passou servindo todo o seu tempo de vigília.
Foi no ano de 1857 que Maria Rosa da Conceição faleceu. Recebida no plano astral por muitos conhecidos e parentes, àqueles a quem havia beneficiado em sua vida terrena continuou a ser, agora carinhosamente, chamada de Maria Molambo.
No ano de 1900, conheceu outra mulher de grande prestígio, Maria Padilha, cujo propósito principal era a luta pela igualdade dos sexos, inspirando decisivamente as líderes feministas do plano físico. Por influência dela, aceitou convite para integrar um novo movimento religioso ainda em organização no plano astral – denominado Umbanda – Passando a liderar milhares de criaturas. Constituiu, assim, a falange de Maria Molambo, trazendo inúmeros benefícios a encarnados e desencarnados da terra brasileira.